Novo blog

Estou me transferindo para outro blog, o Ars Physica. Convido a todos que visitavam esse blog para participar do novo! A vantagem do novo blog é que será no formato do Cosmic Variance: um grupo de diferentes físicos estarão postando sobre assuntos ligados a Física. Continuarei a colocar o mesmo tipo de material que vinha postando neste blog lá.

Religulous

O comediante Bill Maher vai lançar semana que vem, em 3 de outubro, um documentário crítico sobre religião, Religulous, que promete ter seus momentos cômicos, talvez algo na linha dos filmes do Michael Moore (Tiros em Coulumbine, Farenheit 9/11, Sicko). Bill será o próximo convidado do programa The Daily Show, que é muito bem conhecido nos Estados Unidos, no dia 30 de setembro. A entrevista estará disponível no site do programa a partir do dia 1 de outubro. O trailer (legendado em português!) promete um bom filme. Ele já esteve no Larry King (entrevista sem legenda, em inglês).

Há dois documentários muito pouco conhecidos até o momento que são críticos a religião, The Root of All Evil de Richard Dawkins e The God Who Wasn't There. Eu gostei bastante deste segundo, que é sobre o problema de Jesus histórico, i.e. se Jesus realmente existiu ou não. O problema desses filmes é que eles são ácidos demais para conseguir balançar o crente comum. Eles mais produzem um sentimento de revolta do que iluminação, na minha opinião. Espero que esse novo filme de Bill seja mais sereno, e com isso consiga maior espaço na mídia e distribuição, e possibilite educar mais as pessoas sobre o problema do ópio do povo.

Eu certamente vou assistir esse filme. smile

Enquanto isso, podemos ver vários vídeos no YouTube do Bill Maher.

Bobagens sobre o custo do LHC

Das notícias sobre o LHC para mim a parte mais interessante é observar a reação do público. Algumas são cômicas, mas uma classe de comentários me preocupa: os ligados ao custo do projeto. As alegações são muito infundadas, genericamente baseadas na idéia falsa de que o LHC é um projeto muito caro. Não é, o LHC sai de graça. O custo total para por o LHC em funcionamento, incluindo material e pessoal do sítio, o acelerador por completo, cerca de 15% de todos os detetores, e o cluster de computadores ficará em US$ 5.6 bilhões [1]. Como o projeto começou em 2001, são 8 anos de construção, o que dá apenas US$ 700 milhões por ano divididos entre 20 países da Europa, o que dá uma média de um investimento de US$ 35 milhões por país durante 8 anos.

A Europa por ano gasta apenas 1.8% do PIB com ciência e tecnologia, os EUA 2.6%, o Japão 3.4% [2]. O orçamento do LHC é uma pequeníssima parcela desse investimento, pois, 1.8% do PIB Europeu é US$668 bilhões. Isso significa que a Europa está gastando 0.1% do seu investimento de ciência com LHC, que é um dos projetos mais proeminentes da ciência de hoje. Há enorme espaço no PIB desses países para gastos com outros fins, e na parte específica que vai para pesquisa em ciência e tecnologia, ainda resta 99.9% do orçamento para outros projetos.

Os Estados Unidos sozinho poderia bancar o LHC. De fato, os EUA sozinho poderia ter financiado o SSC. Mas os EUA tem outras prioriades: nos últimos 5 anos, só a guerra do Iraque custou US$845 bilhões diretos dos cofres públicos norte-americanos, e tem um custo projetado de US$ 3 trilhões para a economia dos EUA [3]. E a Inglaterra, até 2006, gastou US$ 9 bilhões do dinheiro público [4] na guerra. Ainda falta somar a guerra do Afeganistão. Semana passada, o governo norte-americano perdoou uma dívida de US$85 bilhões da AIG. Uma única junta privada ganhou, em um único dia, o equivalente ao custo de 14 LHCs. Hoje, o Congresso norte-americano liberou US$700 bilhões para perdoar as dívidas de empresas hipotecárias [4]. Então, se alguém ai quer reclamar de aplicar dinheiro para fins como filantropia, há lugares muito mais sérios e importantes para olhar do que a miséria do investimento em pesquisa e tecnologia, e a fração ainda mais insignificante do LHC desse montante do dinheiro na Europa e Estados Unidos.

E no Brasil, que tal comparar o gasto anual dos salários de todos os funcionários e políticos do Congresso e do Senado com o orçamento total para investir em ciência e tecnologia do MCT por todo o país, incluindo-se ai os gastos com bolsas para pesquisa, centros de pesquisa, e todo o resto? Eis os números: ciência vs. Senado e Congresso. Com um investimento como esse em ciência, tem certeza que o LHC é caro?

O que eu falei acima é óbvio para muita gente. Mas por alguma razão, os números do LHC fizeram as pessoas esquecerem de como o efetivo investimento em desenvolvimento de ciência e tecnologia por todo o planeta não corresponde a parcela da participação da tecnologia e ciência na economia mundial.

Referências


  1. CERN Brochure 2008 Nota: a tabela de custo do LHC neste documento está em francos suíços.
  2. Estimates of National Research and Development, National Science Foundation, Aug 2008.
  3. Reuters.com
  4. Bloomberg
  5. Isso está por toda a mídia, mas essa lista de perguntas & respostas do NY Times coleta as informações relevantes.

Sinais de nova física?

Hoje William Marciano, Alberto Sirlin e Massimo Passera tornaram pública uma análise sobre possíveis indicações de nova física na medida do momento magnético do múon. Esse parâmetro foi medido com enorme precisão pelo experimento E821 no acelerador de partículas RHIC do Brookhaven National Laboratory, em Upton, Nova York. O resultado experimental é


onde  é a massa do múon. O valor teórico calculado do Modelo Padrão é


Há uma pequena diferença do valor experimental para o teórico, de 302(88) × 10-11, i.e. 3.4σ. O valor teórico é constituído de três contribuições, de processos que incluem 1) apenas léptons e fótons, 2) os bósons W e Z, 3) hádrons. Neste recente artigo foram analisados possíveis erros de cálculo teórico da contribuição 3). No entanto, esses cálculos atrelam um valor máximo para a massa do Higgs (em outras palavras, são sensíveis a quão pesado o Higgs é) . Por outro lado, as buscas experimentais diretas do acelerador de partículas LEP do CERN indicam que a massa do Higgs deve ser maior que 114 GeV/c2. Dessa forma é possível determinar uma janela dos valores possíveis da massa do Higgs usando o resultado do LEP e do momento magnético do muon. Os autores então mostraram que se permitimos modificações nos cálculos teóricos para o momento magnético, o valor máximo da massa do Higgs fica menor que 133 GeV/c2, muito próximo do valor mínimo. Em uma dessas estimativas de mudança de cálculo, a conclusão seria que o Higgs não existe — o valor máximo fica menor que o valor mínimo —, contradizendo as hipóteses do cálculo.
Pode ser que de fato há um erro no cálculo e a massa do Higgs esteja no intervalo (114,133). Marciano, Massimo e Sirlin, que são profissionais de enorme experiência com cálculos desse tipo, entendem que isso é pouco provável. Todavia se não há erro no cálculo, o momento magnético do muon sinaliza que há efeitos novos que ainda não foram levados em consideração, tais como a supersimetria.
Se essa discrepância indica ou não evidência para nova física além do Modelo Padrão ainda era uma questão polêmica até uns anos atrás, mas essa análise recente parece colocar a evidência de nova física mais plausível.

LHC atrasará por cerca de dois meses

A notícia oficial saiu hoje. O LHC teve um vazamento no sistema criogênico e deve ter um atraso de pelo menos 2 meses, então nada mais da primeira colisão ser realizada em algum momento de outubro. sad

O único comentário pertinente é o seguinte: isso é absolutamente normal. Quando o LHC estava em construção, parte dos imãs supercondutores falharam causando atrasos. Em qualquer experimento em ciência, boa parte do trabalho consiste em resolver problemas e dificuldades inesperadas que vem ao longo do caminho. O problema anterior e este novo são apenas dois exemplos das dificuldades tecnológicas envolvidas quando se tem o maior sistema criogênico jamais realizado. 

Mestres viram doutores e são demitidos

Segundo uma matéria da revista Valor Econômico, aparentemente no Brasil dos últimos anos professores de universidades particulares foram demitidos depois de fazerem um curso de pós-graduação. O presidente do sindicato das particulares, H. F. Figueiredo, explica porque isso acontece:


O número de doutores depende do programa pedagógico de cada instituição, a universidade é como qualquer empresa, há uma avaliação de desempenho, não publicou durante o ano, será dispensado.

Isso não parece ser verdade. Por exemplo, o CNPq mostra que, excetuando-se a PUC, nem 1% de toda produção científica do Brasil financiada pelo órgão é realizada nas universidades particulares (a PUC-RJ com 2,4%). Segundo artigo da Folha de S. Paulo de uns anos atrás, a grande maioria dos professores de universidades particulares dão em média 40h semanais de aula, alguns até mais. Portanto, as universidades particulares de modo algum vêm contratando com base na produção científica, intelectual ou artística. Não faz nem sentido: se elas só contratam 1/3 de pessoas com pós-graduação, 2/3 do seu corpo docente nem se quer tem a qualificação intelectual para produzir material publicável. A Unip é uma das maiores universidades do Brasil, se 1/3 do seu corpo docente estivesse sendo mantido com base em excelência de publicações, a universidade já teria figurado no Times Higher Educational Supplement ou no Academic World Ranking, mas isso não aconteceu. Como profissional incipiente na área de pesquisa, eu posso assegurar que nunca vi um único artigo científico que foi publicado por um pesquisador da Unip. Se existe algum, precisa de muita experiência em pesquisa para acabar vendo (1 em um milhão?).
FIgueiredo também diz:

Uma universidade numa cidadezinha de Tiririca da Serra não tem condição de contratar um doutor por tempo integral para pesquisar e em nenhum lugar está escrito ou provado que um doutor é melhor professor do que um profissional com experiência.

Dois problemas com esse comentário. Primeiro, se você tem uma universidade que diz que oferece um curso de medicina, é melhor que você realmente possa ensinar medicina. Isso inclui ter laboratórios de química, biblioteca equipada, cadáveres indo para as aulas de cirurgia, material cirúrgico, vários outros equipamentos didáticos, e professores qualificados. Se você quer ter uma universidade em Tiririca da Serra, você deve transferir todo o equipamento necessário para isso, e não apenas abrir um prédio com título de universidade que depois formará profissionais sem a qualificação necessária.

Segundo, um doutor em particular pode não ser melhor professor, mas se você tem alguém interessado em ser um bom professor, agregar maior qualificação, experiência e conhecimento só irá melhorar a educação. Se olharmos para as universidades mais bem sucedidas no mundo, veremos que há uma forte correlação entre a qualificação do corpo docente e o sucesso do corpo discente.



O mais curioso de tudo isso é que não parece que esse estilo adotado pelas universidades particulares no Brasil ajuda em nada a fazer o faturamento da universidade ser melhor. Não quero soar pretensioso ou arrogante, mas tenho que usar os exemplos que conheço bem. Segundo os jornais de televisão (entendendo ai que pode estar errado), o vestibular da USP é um (ou o mais) concorrido de universidades do país, a média de todos os cursos é 12 c/v. A USP é a mais procurada em São Paulo por que tem uma boa imagem de instituição universitária, totalmente devida a qualificação e a produção intelectual, científica e artística dos professores residentes, mais o resultado de vários dos seus ex-alunos que figuram em quadros de liderança nacional do governo, empresas, produção tecnológica e artística. Muitos que tem alta renda e passam na USP e em uma particular, escolhem a primeira. Isso se comprova pelos dados da própria USP, que mostra que a maioria dos matriculados são de alta renda: uma única rua da região nobre de São Paulo tem mais alunos na USP que todo distrito sul da cidade. Provavelmente a mesma lógica se aplica nos demais estados da federação: se há uma universidade de impacto científico, artistico e cultural, essa atrai mais estudantes (em geral, são as públicas, federais e estaduais, e atraem também alunos de alta renda). As particulares, com sua política de educação como loja de 1,99 — para usar uma comparação feita por um colega — só tem uma imagem denegrida: a má boca diz que o vestibular é fácil, e agora mais essa, se o professor for bom demais, é demitido por excesso de qualificação. As prioridades gerais das universidades particulares no Brasil podem até mantê-las economicamente viáveis a curto prazo, mas não tem como resultar em melhor faturamento a longo prazo, uma vez que a universidade continuamente perde prestígio, ao invés de ganhar. As duas universidades com maior capital do planeta são particulares: Harvard e Yale (respectivamente 37 e 23 bilhões de dólares), porém imaginem se na fundação do departamento de física de Yale eles tivessem decidido demitir o Josiah W. Gibbs depois que ele adquiriu o doutorado em física matemática. Para ser contratado hoje em dia em uma universidade destas é necessário, no mínimo, vários pós-doutorados, ou uma produção científica excepcional, e ainda assim, são universidades muito mais ricas que qualquer particular (ou pública) no Brasil.

Sem Deus

Steven Weinberg escreveu recentemente para o The New York Review of Books sobre religião: Without God.  Para quem gostar desse artigo, o Weinberg publicou uns anos atrás um livro com uma coleção de ensaios sobre ciência e suas adversárias culturais: Facing Up (desconheço se há edição em português). Vale a pena! cool


Fiquei sabendo desse artigo pelo meu colega Daniel Ferrante, do It's Equal but it's different.